Carrapatos: quais as consequências de uma infestação, que doenças provocam e como tratá-las

As práticas de cruzamentos entre raças bovinas afim de obter animais cada vez mais especializados na produção tem avançado nos últimos anos e é fruto do aumento da produtividade de carne e leite no Brasil, porém, a heterose pode levar ao desenvolvimento de animais mais suscetíveis a presença de carrapatos.

Ectoparasitos do filo Arthropoda e pertencentes a ordem Acari, os carrapatos são muito conhecidos na bovinocultura de leite e de corte pelos grandes problemas gerados no animal e na produção em geral, o que acarreta muita preocupação para o produtor. Os principais problemas causados pelos carrapatos aos bovinos são muitos e quando há grandes infestações na propriedade, pode tornar-se difícil o controle. Dentre os problemas envolvidos, podemos citar os mais importantes:

  • Transmissão de agentes patogênicos que causam doenças;
  • Lesões na pele do animal; comprometendo a saúde e a depreciação do couro;
  • Infecções secundárias à infestação;
  • Surgimento de miíases;
  • Perda de peso e redução na produção de leite;

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Dependendo do nível de comprometimento da saúde do animal, uma infestação por carrapatos pode levar a morte de um ou mais bovinos na propriedade.

Duas grandes famílias de carrapatos são consideradas as mais importantes no mundo. Todavia, são representadas pela família Ixodidae que apresentam mais de 720 espécies com 14 gêneros. Eles são conhecidos como os carrapatos "duros" e a segunda família chamada de Argasidae que possui mais de 200 espécies e 5 gêneros, conhecidos como os carrapatos "moles". No Brasil existem até o momento, 73 espécies de carrapatos. 47 deles representados pela família Ixodidae e 26 da família Argasidae. Os gêneros Amblyomma e Rhipicephalus são os mais estudados e considerados de muita importância na saúde pública. Com isso, apenas o Rhipicephalus (B.) microplus (o famoso "carrapato do boi") causou um prejuízo anual de mais de 3 bilhões de dólares em perdas da cadeia produtiva no país.

O mercado rural através desse artigo, abordará os aspectos mais importantes sobre os carrapatos na cadeia produtiva bovina.

A presença de carrapatos na Bovinocultura e os prejuízos gerados

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De origem Asiática, os carrapatos são capazes de atingir mais de 75% dos rebanhos bovinos mundialmente. O " carrapato-do-boi" como é conhecido popularmente, trata-se da espécie _Rhipicephalus (B.) microplus,_ela é a mais importante causadora de prejuízos econômicos na pecuária de leite e na de corte em todo território nacional. Para se ter ideia, os gastos totais pelas infestações desse carrapato já alcançam mais de 3,2 bilhões de dólares/ano. Sendo assim, grande parte desse prejuízo econômico está atribuído a capacidade do carrapato-do-boi de transmitir a "tristeza parasitária bovina", um complexo de patógenos que causam problemas sérios a saúde do animal, onde os gastos para o tratamento são elevados e ainda pode levar a perda do mesmo.

As despesas relacionadas ao controle dos carrapatos no ambiente e nos animais também contribuem para o elevado valor dos gastos. Por inúmeras vezes, o produtor precisa investir em diferentes tentativas de controle, porque nem sempre é uma tarefa fácil conseguir acabar com uma infestação dos ectoparasitos por meio do uso de acaricidas, sendo assim, podendo provocar até mesmo uma resistência nos carrapatos levando-se ao agravamento de toda a situação se usados de forma incorreta e sem orientação profissional.

No entanto, pode ser observado queda na produção leiteira pelo estresse causado pela picada do carrapato e descarte do leite pela presença de resíduos de carrapaticidas, além da perda do animal devido a grandes infestações. São os fatores que resultam em prejuízos irreparáveis para o pecuarista. Contudo, a contaminação do ambiente pelos produtos químicos utilizados a fim de combater as infestações é um risco muito comum, o que aumenta o impacto nos prejuízos gerados na produção.

Avaliando-se os prejuízos em números, as perdas na produção relacionadas à infestações por carrapato no gado brasileiro já chegaram à 2,5 milhões de cabeças de gado. Esse número representa um prejuízo de 75 milhões de kg de carne, 1,5 bilhões de litros de leite, 8,6 milhões de dólares por danos secundários e 25 milhões de dólares em carrapaticidas.

No estado de Goiás, os ectoparasitas são responsáveis por R$ 800 milhões de prejuízos econômicos no setor. Segundo HORN (1987) os prejuízos econômicos causados no Brasil estimaram ser da ordem de um bilhão de dólares por ano, sendo 40% por perdas na produção de leite, 27% pela mortalidade, 11% sobre desempenho reprodutivo, 9% em gastos com acaricidas, 5% pela redução no ganho de peso, 5% em juros bancários, 3% pela má qualidade do couro e despesas no controle e prevenção das hemoparasitoses.

Carrapato-do-boi: conheça o ciclo biológico.

Conhecer a biologia e o comportamento do ciclo de vida dos carrapatos é muito importante para o produtor avaliar qual a melhor maneira para combater a infestação dos ectoparasitos, principalmente no ambiente de pastagens.

O Rhipicephalus (B.) microplus tem os bovinos como seu principal hospedeiro e as raças taurinas são as mais afetadas. A grande importância dessa espécie está relacionada a sua capacidade de transmitir os agentes etiológicos do complexo "tristeza parasitária bovina". Sendo assim, esse carrapato pode transmitir para o boi uma bactéria do gênero Anaplasma ou os protozoários do gênero Babesia que provocam a doença.

No seu ciclo de vida biológico, apresenta apenas um hospedeiro e prefere parasitar principalmente os bovinos. O seu ciclo é dividido em duas etapas:

  • Fase Parasitária: Fase em que ocorre a fixação da larva em um hospedeiro até o sua fase adulta com o desprendimento das fêmeas ingurgitadas (teleóginas).
  • Fase de Vida Livre: Fase que ocorre após o desprendimento das teleóginas, elas caem ao solo e dão início a ovipostura, realizam a incubação dos ovos e eclosão das larvas.

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Femea ingurgitada colocando ovos

A fase de vida livre também pode ser chamada de fase não parasitária. Quando em condições climáticas favoráveis, as fêmeas ingurgitadas se desprendem do hospedeiro e procuram no ambiente um lugar seguro. De 3 a 5 dias ocorrerá o período de pré-postura, onde acontece a maturação dos ovários e dos ovos até o início da ovipostura. Todavia, ocorre a morte da femea após essa fase, ficando vivos apenas os seus ovos para incubação. Após o período de incubação, as larvas eclodem, sobem até a ponta do capim e ficam ali à espera por até aproximadamente 80 dias, aguardando a passagem do bovino quando o mesmo estiver à pasto, assim elas sobem no animal e dão continuidade ao ciclo.

Quando a larva encontra o hospedeiro, inicia-se a fase parasitária. Ela se fixa no bovino de preferência na região da barbela, entre as pernas, úbere ou na região do períneo. De 4 a 7 dias a larva se transforma em ninfa e após 9 a 16 dias, começa a sua fase adulta. Posteriormente, os adultos copulam e as fêmeas se desprendem do hospedeiro entre 18 a 35 dias, período esse logo após a fixação das larvas. Os machos são observados por mais tempo parasitando o animal a procura de mais fêmeas para realizar a cópula.

Uma consideração importante a ser mencionada é sobre a influência do clima na fase de vida livre do carrapato. Na época das chuvas, quando há pastos altos que favorecem o sombreamento e em condições de altas temperaturas, são fatores favoráveis para a incubação, podendo acelerar este período.

Como prevenir a presença do carrapato no pasto

Conhecer o tipo de forrageira, realizar o correto manejo do pasto, saber sobre a presença ou não de inimigos naturais e levar em consideração o número de animais no lote evitando a superlotação, são fatores importantes para o produtor prevenir e controlar as infestações, principalmente dos carrapatos de vida livre. Todavia, em regiões do país onde é possível observar a umidade relativa do ar baixa, por si só essa característica já interfere na manutenção do ciclo do carrapato de vida livre, pois os ovos são sensíveis a desidratação e não sobrevivem.

Foi observado em estudos que as propriedades que apresentam a pastagem com plantas do gênero Panicum prejudicaram a fase de vida livre do ciclo, já as do gênero Braquiaria e Cynodon se tornaram favoráveis para a sobrevivência do carrapato, pela arquitetura da planta ajudar nas condições de umidade e sombreamento. Introduzir um manejo de pastagem é de grande importância para prevenir infestações do ectoparasito no pasto. Ao introduzir bovinos livres de carrapato em pastagens recém-formadas, torna-se uma ótima estratégia de controle. CUNHA et al. (2008, 2010) observou que após adubação com ureia no fim do ciclo de pastejo no sistema rotacionado, foi capaz de matar a teleógina antes mesmo dela realizar a postura dos ovos.

Evitar a lotação de animais no pasto favorece o controle, pois quanto menos animais, mais difícil é o encontro com o hospedeiro e isso diminui chances de infestações.

⁠Doenças provocadas por carrapatos em bovinos

Tristeza parasitária bovina

A tristeza parasitária bovina é o nome popular dado a um complexo de doenças causadas pelos protozoários do gênero Babesia e rickettsias do gênero Anaplasma que são transmitidas através do carrapato infectado, podendo causar no animal sinais clínicos, como: febre, anemia, icterícia, anorexia, hemoglobinúria e levar o animal a morte. O principal vetor desses agentes no Brasil é o carrapato Rhipicephalus microplus.

Babesiose bovina

Transmitida pelo carrapato-do-boi, porém, também pode ocorrer a transmissão através de transfusão sanguínea. Por meio do repasto sanguíneo realizado pelo carrapato-do-boi, o bovino é infectado por um protozoário do gênero Babesia e esse mesmo provoca um distúrbio hemolítico no animal. A forma infectante entra na circulação sanguínea do hospedeiro (bovino) e se multiplicam nas hemácias. Os animais podem apresentar sinais clínicos, como:

  • Apatia;
  • Anorexia;
  • Febre;
  • Mucosas pálidas;
  • Hemoglobinúria;
  • Icterícia;
  • Aumento na frequência respiratória e cardíaca;
  • Anemia grave e até a morte.

Essa doença pode ser observada em diferentes regiões do país tornando-se endêmica e sua prevalência ocorre no verão, onde é possível observar maiores infestações do seu vetor (o carrapato). O diagnóstico no campo é realizado pelo médico veterinário, através da observação dos sintomas e anamnese.

Anaplasmose bovina

Também transmitida pelo carrapato-do-boi, infectam os bezerros bem jovens e são considerados os mais atingidos pela doença, ocasiona perdas e prejuízos econômicos. O agente causador da doença é o Anaplasma Marginale._No entanto, também podem ser transmitidos através de moscas hematófagas, agulhas e material cirúrgico. O carrapato, ao se fixar no boi para se alimentar (repasto sanguíneo) transmite o _Anaplasma através da sua saliva. Os sinais clínicos observado nos animais infectados são:

  • Febre;
  • Inapetência ou constipação e até mesmo diarreia;
  • Anemia;
  • Mucosas pálidas ou ictéricas;
  • Olhos fundos e perda de peso;
  • Desidratação.

Doença aguda, onde os sintomas evoluem dentre 1 a 2 dias e pode levar o animal a morte rapidamente. O diagnóstico é clínico e também através de achados de necropsia. O tratamento deve ser feito através de um médico veterinário, com fármacos específicos, como o uso de tetraciclinas e feito o tratamento de suporte.

A resistência do carrapato do boi aos acaricidas existentes no Brasil e novas formas de controle

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O uso de carrapaticidas ainda é utilizado em grande escala quando o assunto é controle de carrapatos. Todavia, o melhor cenário para a utilização dos produtos químicos seria quando fossem empregados num programa estratégico pensado no ciclo do carrapato e meio ambiente, afim de dificultar a sobrevivência do mesmo. Entretanto, alguns produtores além de escolher o produto de forma equivocada, ainda utilizam os acaricidas como tratamento curativos e isso propicia a resistência do ixodideo no ambiente e no animal, tornando o tratamento ineficaz trazendo grandes prejuízos econômicos ao produtor. A melhor forma de escolher o produto a ser utilizado é realizar testes de sensibilidade nos carrapatos encontrados na propriedade aos carrapaticidas existentes no mercado, afim de verificar o nível de resistência dos mesmo ao produto químico. Isso pode ser feito em laboratórios de referências por profissionais capacitados.

Contudo, afim de fugir dos prejuízos econômicos gerados, nosdias atuais, observa-se novos estudos sobre diferentes maneiras de controle de carrapatos. Vacinas, homeopatia, rotação de pastagens, carrapaticidas de origem vegetal e o controle biológico são estratégias que vem sendo empregadas nas propriedades e apresentando bons resultados no controle e prevenção de infestações.

Referências

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CUNHA, A.P.; BELLO, A.C.P.; DOMINGUES, L.N.; MARTINS, J.R.; OLIVEIRA, P.R.; FREITAS, C.M.V.; BASTIANETTO, E.; SILVA, M.X..; LEITE, R.C. Effects of urea on the cattle tick Rhipicephalus (Boophilus) microplus (Acari: Ixodidae). Veterinary Parasitology, v.174, p.300-304, 2010.

GODOI, C.R., SILVA, E.F.P. Carrapato Boophilus microplus e impacto na produção animal - Revisão de literatura. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 22, Art#606, Jun4, 2009.

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KESSLER, R.H. ; SCHENK. M.A.M., ed . Carrapato, tristeza parasitária e tripanossomose dos bovinos. Campo Grande : EMBRAPACNPGC , 1998 . 157p.

Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos/ Renato Andreotti, Marcos Valério Garcia, Wilson Werner Koller, editores técnicos - Brasília, DF: Embrapa, 2019.

MAGDA BERTOLINI PIEREZAN et al.; Babesiose em Bovinos: Etiologia, Epidemiologia e Fisiopatologia. XXXVI Seminário Interinstitucional de ensino, pesquisa e extensão. Outubro 2021.

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Luisa Duarte Rabello

Médica Veterinária formada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. CRMV/RJ 17985.

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